A bem dizer, o Botafogo e eu temos muito em comum, almas gêmeas, até. Somos meio destrambelhados, capazes de transformamos vitórias límpidas e certas, em derrotas acachapantes e vergonhosas; mas somos também, nós- eu e o Botafogo- capazes de transformamos derrotas humilhantes em vitórias épicas; o impossível, para nós, é sempre mais que possível. Tanto para a maior das glórias, quanto para a mais vergonhosa humilhação. Não temos meios termos, aliás, nem termos temos. Somos tudo ou nada, numa viagem sinuosa entre céu e inferno, sem escalas ou meia medidas. Saímos da mais virtuosa alegria para a mais negra depressão em um átimo de segundo. Nossas estrelas- solitárias, ambas- são tomadas por imensos buracos negros que se apoderam de nossa luz, nos deixando prostados em dor e vergonha. E quando nossos inimigos acham que nos destruíram, eis que ressurgimos das trevas, altivos, orgulhosos, luz brilhante que os deixa cegos, tontos pelo inesperado da ressurreição, aturdidos, viram presas fáceis e impomos derrotas fragorosas a eles. Mas não os matamos, não somos assassinos, apenas nos vingamos na justa medida.
Mas somos inconsequentes- o Botafogo e eu- não damos o valor exato a nossas vitórias, temos piedade dos inimigos vencidos e, mais das vezes, viramos as costas para eles que, covardes, nos apunhalam. E lá vamos nós de novo rumo ao sofrimento, machucados, exangues, no limite da destruição plena e irreversível. Chegamos ao ponto de ser expulsos de nossa ” Terra Santa”, o sagrado chão de General Severiano, e vagamos durante longos anos , perdidos, humilhados, sem títulos, sem time, sem rumo, sem prumo. Judeus errantes, entregues nas mãos sem piedade de nossos hitleres: urubus, bacalhaus e pós de arroz. Zombaram de nós, espezinharam, machucaram nossa alma o quanto puderam, riram de nossa desdita. Achavam que estávamos mortos, os pobres de espírito, esqueceram-se que História não se mata, como poderia morrer um clube em que jogaram craques como Perácio, Patesko, Carvalho Leite, Heleno de Freitas, Didi, Quarentinha, Zagalo, Amarildo, Manga, Gérson, Leônidas, Roberto, Paulo César, Jairzinho, Nilton Santos, Garrincha e tantos outros, responsáveis pela maiores glórias do futebol brasileiro. Nunca, respondo-vos,e após vinte e um anos vagando, perdidos de nossa estrela-guia, em um 21 de junho de 1989, aos 21 minutos do segundo tempo, noite fria, deu-se o milagre da ressurreição, ela ressurgiu, brilhante, brilho infinito a iluminar o gramado do Maracanã, no exato momento em que Maurício esticava sua perna direita e enfiava a bola na rede ” deles”. E um rio de lágrimas se formou do lado direito da Tribuna de Honra, lágrimas santas, de alegria incontida, após anos derramando lágrimas de dor e humilhação. O Botafogo reviveu, como sempre e para sempre.
Obs: Dedico esta crônica à memória do Tiziu, amigo querido e botafoguense fanático, já falecido, e primeiro a me abraçar após o gol do Maurício. Não acredito nessa coisas, mas nesse exato momento sinto a presença dele aqui , me dando aquele mesmo abraço de infinita emoção. Saudade, amigo!